Nota de pesar e de memória pela morte do Papa emérito Bento XVI

«O cuidado de quantos sofrem torna-se um encontro quotidiano com o rosto de Cristo e a dedicação da inteligência e do coração faz-se sinal da misericórdia de Deus e da sua vitória sobre a morte.»

Bento XVI

 

Lançamos de novo, nestes dias em que Bento XVI nos deixa para se encontrar com o Pai, algumas palavras cheias de clareza, inteligência e caridade que dirigiu aos médicos ao longo da sua vida totalmente entregue ao serviço de Jesus, da Igreja e de todos os homens:

 

«A missão específica que qualifica a vossa profissão médica e cirúrgica pretende atingir três objetivos: cuidar da pessoa doente ou pelo menos procurar incidir de modo eficaz na evolução da doença; aliviar os sintomas dolorosos que a acompanham, sobretudo quando está em fase avançada; ocupar-se da pessoa doente em todas as suas expectativas humanas.

 

A cura, que antes em muitos casos era só uma possibilidade marginal, hoje é uma perspetiva normalmente realizável, a ponto de chamar sobre si a atenção quase exclusiva da medicina contemporânea. Mas nasce um novo risco desta orientação: o de abandonar o doente quando se compreende a impossibilidade de obter resultados apreciáveis. Ao contrário, nesta situação, ainda se pode fazer muito pelo doente: aliviar o seu sofrimento e, sobretudo, acompanhá-lo no seu caminho, melhorando na medida do possível a qualidade de vida. O respeito pela dignidade humana exige o respeito incondicional por cada ser humano, nascido ou por nascer, saudável ou doente, em qualquer condição em que se encontre.

 

É bom nunca esquecer que são precisamente as qualidades humanas que o doente valoriza no médico, além da competência profissional em sentido estrito. Ele quer ser visto com benevolência, não só examinado; quer ser escutado, não só submetido a diagnósticos sofisticados; quer sentir com segurança que está presente na mente e no coração do médico que o trata.

 

Mas por mais apaixonada e tenaz que seja a pesquisa humana, com as suas próprias forças ela não é capaz de uma solução segura, porque «o homem não é capaz de iluminar completamente a estranha penumbra que pesa sobre a questão das realidades eternas... Deus deve tomar a iniciativa de ir ao encontro do homem, de se lhe dirigir.

 

Ciência e fé têm uma reciprocidade fecunda, quase uma exigência complementar da compreensão do real. Mas de modo paradoxal, precisamente a cultura positivista, excluindo do debate científico a pergunta sobre Deus, determina o declínio do pensamento e o depauperamento da capacidade de compreensão do real.

 

É precisamente percorrendo a vereda da fé que o homem se torna capaz de divisar nas próprias realidades de sofrimento e de morte, que atravessam a sua existência, uma possibilidade autêntica de bem e de vida. Na Cruz de Cristo reconhece a Árvore da vida, revelação do amor apaixonado de Deus pelo homem. Então, o cuidado de quantos sofrem torna-se um encontro quotidiano com o rosto de Cristo, e a dedicação da inteligência e do coração faz-se sinal da misericórdia de Deus e da sua vitória sobre a morte.

 

Sem amor, até a ciência perde a sua nobreza. O progresso só pode ser verdadeiro se serve a pessoa humana e se a própria pessoa humana cresce; se não cresce apenas o seu poder técnico, mas também a sua capacidade moral.

 

Perante a eliminação direta do ser humano não pode haver sujeições nem subterfúgios; não se pode pensar que uma sociedade possa combater eficazmente o crime, quando ela própria legaliza o delito no âmbito da vida nascente. 

 

Ao vosso esforço, certamente apoiado por Deus que age em cada homem de boa vontade para o bem de todos, desejo que Ele conceda a alegria da descoberta da verdade, a sabedoria na consideração e no respeito por cada ser humano, e o sucesso na pesquisa de remédios eficazes para o sofrimento humano.»

 

Excertos de discursos do Papa emérito Bento VI à Universidade Católica de Medicina (2012), no Congresso de Cirurgia (2008) e à Academia Pontifícia para a Vida (2006)

Fotografia: Vatican News