Não há drogas boas

Apresentada em 2018 e rejeitada um ano depois, a proposta de legalização em Portugal da canábis para fins recreativos volta amanhã, 9 de junho de 2021, à discussão na Assembleia da República, levada por dois projetos de lei apresentados pelo BE e pela IL.

Tomando conhecimento desta pretensão, a Associação dos Médicos Católicos Portugueses (AMCP) e a Associação dos Juristas Católicos (AJC) manifestam conjuntamente a sua oposição à legalização da venda de canábis para fins recreativos.

 

Fazem-no pelos motivos seguintes:

 

- Cada vez se conhecem melhor os malefícios pessoais e sociais decorrentes do consumo de canábis; esse consumo está associado a alterações estruturais e funcionais no sistema nervoso central, com consequências nefastas para a saúde psíquica e com riscos aumentados em casos de consumo prolongado ou desde idade precoce.

 

- Não há drogas boas e drogas más. É importante contrariar a ideia errada de que o consumo das drogas ditas leves, não causa dano para a saúde. A canábis é uma substância aditiva com efeitos deletérios que podem ser dramáticos, principalmente junto dos mais jovens.

 

- É lógico que um regime que vem autorizar e facilitar o consumo de uma substância estupefaciente comprovadamente danosa para a saúde pública, e até então ilícito, não pode deixar de contribuir para o incremento desse consumo; sustentar o contrário é pôr em causa um princípio elementar de qualquer política legislativa e deliberadamente omitir o que se demonstrou nos países que seguiram estas medidas.

 

- Também é lógico que a legalização proposta veicule uma mensagem e represente um sinal que muitos, adultos, jovens e adolescentes, interpretarão como de indiferença ou desvalorização quanto aos danos associados ao consumo de canábis.

 

- É incompreensível para a sociedade o sinal contraditório da facilitação do uso de canábis perante a imposição de restrições crescentes ao consumo de tabaco.

 

- De pouco serve, nesse contexto, impor – como tem sido proposto – obrigações de informação sobre os danos e perigos associados ao consumo de canábis como condição de autorização para a respetiva venda; essa imposição será lida como uma profunda contradição do sistema, ou até como sinal de hipocrisia.

 

- Tal como será lida como contradição, ou até hipocrisia, a cobrança de impostos a quem lucra com essa venda que sejam destinados a financiar ações de prevenção e tratamento da toxicodependência, como também tem sido proposto: é autorizado o lucro de uma ação que fomenta a toxicodependência e com os impostos decorrentes desse lucro pretende-se financiar a prevenção e tratamento dessa toxicodependência. 

 

- A experiência revela que o mercado clandestino se mantém depois da legalização; a ele continuarão a pertencer os domínios não cobertos por essa legalização: a venda a menores, de quantidades mais elevadas do que as legalmente permitidas, de substâncias com maior concentração de produto ativo do que o legalmente permitido, ou a preços mais baixos porque não sujeitos à tributação geral e especial.

 

- A legalização da venda de canábis em vários Estados tem dado origem a uma verdadeira corrida a oportunidades de negócio que atraem empresas na mira de grandes lucros e pouco interessadas na tutela da saúde pública.

 

- Será contraditório continuar a punir severamente o tráfico clandestino de canábis e autorizar a venda condicionada desse produto, quando são muito semelhantes os perigos para a saúde pública decorrentes de uma e outra dessas atividades; o Estado perderá, assim, autoridade moral para continuar a punir esse tráfico.

 

Não pode falar-se em “direito à droga” (Papa João Paulo II)

“A droga não se vence com a droga” (Papa Francisco)

 

Ainda que as razões e justificações acima apresentadas para a oposição à legalização da canábis para fins recreativos em Portugal se prendam com questões médicas e da ordem jurídica e social, enquanto associações profissionais católicas não queremos deixar recordar:

 

- As palavras de São João Paulo II, em 23 de novembro de 1991, a respeito do consumo de estupefacientes: «Não pode falar-se em liberdade, porque comporta uma renúncia injustificada e irracional a pensar, querer e agir como pessoa livre (…) Não pode falar-se em “liberdade de se drogar” ou “direito à droga”, porque o ser humano não tem o direito de causar danos a si próprio e não pode, nem deve, abdicar da dignidade pessoal que lhe é dada por Deus! Estes fenómenos – importa recordar sempre – não prejudicam apenas o bem-estar físico e psíquico, mas frustram a pessoa precisamente na sua capacidade de comunhão e de doação».

 

- E também as palavras do Papa Francisco, em 20 de junho de 2014: «Gostaria de dizer muito claramente: a droga não se vence com a droga! A droga é um mal, e com o mal não nos podemos dar por vencidos nem ceder a compromissos. (…) Pretendo reafirmar quanto já foi dito noutra ocasião: não a qualquer tipo de droga. Simplesmente. Não a qualquer tipo de droga. Mas para dizer este não, é preciso dizer sim à vida, sim ao amor, sim aos outros, sim à educação, sim ao desporto, sim ao trabalho, sim a mais oportunidades de trabalho».

 

A Associação de Médicos Católicos Portugueses e a Associação de Juristas Católicos

8 de junho de 2021