Encontro online junta médicos portugueses e ucranianos

“Até quem não tem fé começou a rezar”

O encontro online entre médicos portugueses e ucranianos realizado ao final da tarde deste sábado 14 de janeiro decorreu em ambiente fraterno, como um grande abraço que Portugal estendeu à Ucrânia e que a Ucrânia devolveu a Portugal. Organizado pelas associações médicas católicas dos dois países, AMCP e AMCU,  foi motivado sobretudo pela esperança de que o fim da guerra seja uma realidade em breve. Os relatos foram difíceis de contar e de ouvir. Surpreenderam pela resiliência, esperança e fé.  Os médicos ucranianos acreditam, trabalham e rezam diariamente pelo fim da guerra.

“Perdemos os nossos melhores “

Os médicos ucranianos, primeiro em jeito de testemunho depois em resposta às perguntas que os colegas portugueses lhe faziam, partilharam o seu dia a dia, completamente alterado pela “invasão em larga escala da Rússia à Ucrânia”, e confirmaram uma “realidade dura, um tempo difícil, em que perdemos os nossos melhores, e muitas crianças”, com jornadas de trabalho marcadas “pela chegada de muitos feridos, muitas pessoas capturadas [pelo exército russo], outras sem casa, e muitos refugiados que chegam das áreas mais fortemente atacadas pelas tropas russas”, como descreveu o médico de medicina familiar Yaroslav Diakunchak que reside e trabalha a cerca de 20 quilómetros de Kiev. Atualmente este médico trabalha mais a tratar doentes com doenças crónicas ou os que não podem sair de casa devido a doença prolongada ou pela idade avançada, do que à medicina familiar. A certa altura do encontro passa a falar às escuras, pelo telemóvel, porque a sua casa fica sem eletricidade.

“Até quem não tem fé começou a rezar”

Nadiya Helder, professora e médica geneticista, acompanha também atualmente situações mais delicadas, muitas refugiadas grávidas “que não sabiam onde se dirigir e que começámos a acompanhar”. Trabalha com o apoio de centros de investigação do estrangeiro. Vários médicos testemunham a ligação a colegas médicos e instituições médicas de fora da Ucrânia.

A frase “até quem não tem fé começou a rezar” ouviu-se várias vezes durante o encontro online. Nadiya Helder foi a primeira a dizê-la, seguida da jovem Olesya Vynnyk, médica de família que assumiu com a guerra um encargo diferente, o de formar os soldados em medicina tática, isto é, “formar os soldados para que quando feridos possam sobreviver, para que saibam tratar desde uma hemorragia a outras situações”.

“Fazemos o melhor que podemos, como médicos e como cristãos”, refere Olesya que denuncia práticas que vão contra as convenções internacionais, nomeadamente o ataque pelas tropas da Federação Russa a ambulâncias e viaturas médicas.

Ao longo do encontro, Olesya Vynnyk refere outras situações e temores, como o receio da propagação da cólera, pela falta de água potável, e o sofrimento e perigo para a saúde pública pelos cerca de dez dias que as famílias têm de esperar para levantar das morgues os corpos dos seus entes queridos falecidos, tal é o volume de trabalho. “Não há um lugar seguro na Ucrânia”, conta partilhando que durante a guerra, terão morrido ou ficado feridos mais de 100 médicos, quatro desses seus amigos e com quem trabalhava.

Sergii Borzenkov é neurocirurgião, surge no ecrã ao lado da mulher. Partilha a chegada constante de feridos e que vive diariamente um ambiente de stresse. Conta que muitos soldados feridos sobrevivem às intervenções cirúrgicas, mas que ficam a necessitar de reabilitação mental e física e que nessa área dispõem atualmente de poucos meios.

“Lutamos por amor ao nosso país”

Do ponto de vista da celebração da fé, o Natal foi vivido, contou Olesya Vynnyk, “como um tempo de esperança, porque estamos a lutar por um futuro melhor. […] Não lutamos contra o ódio, contra a Rússia, lutamos por amor ao nosso país”. Os médicos dizem-se apoiados pelos sacerdotes e que nalguns casos conseguem diariamente participar na eucaristia. Partilham também que muitos ucranianos batizam os seus filhos neste tempo de adversidade.

Quando se lhes pergunta do que necessitam, respondem orações. Todos pedem orações pelos soldados ucranianos que defendem o seu país e pelos voluntários que os apoiam nas operações. Yaroslav Diakunchak pede que se reze para que a todos chegue a sabedoria de Deus, como pediu o rei Salomão, “para saber como melhor tratar, como ser útil, como conseguir a paz”. Nadiya Helder junta às orações pelos soldados, as orações por todos os ucranianos e também pelos inimigos. Todos os médicos concordam que se tiverem de tratar um soldado russo, a alguns ainda não aconteceu, o fazem, mesmo que a escassez de meios seja uma realidade.

E como pensar em tempo de guerra a reconciliação? Olesya Vynnyk apenas responde “A guerra tem de acabar, mas tem de ser uma vitória para a Ucrânia”.

O encontro iniciou com a oração do Pai Nosso em ucraniano, e terminou com a Ave Maria em português.

LeopolDina Reis Simões

Assessora de Comunicação da Associação dos Médicos Católicos Portugueses

15 de janeiro de 2023