A morte provocada continua a não ser resposta

Perante a aprovação parlamentar, em votação final global, da legalização da eutanásia e do suicídio assistido, a Associação dos  Juristas Católicos (AJC) e a Associação dos Médicos Católicos Portugueses (AMCP) vêm declarar o seguinte:

- Reafirmam a sua posição contra qualquer legalização da eutanásia e do suicídio assistido como quebra do princípio civilizacional da proibição de matar que está também na base da nossa ordem jurídica, a qual consagra a inviolabilidade da vida humana no artigo 24.º da Constituição.

- Em especial, no que se refere ao diploma agora aprovado, registam com manifesta preocupação que ele alarga de forma clara as indicações para a eutanásia. Foi alargado o campo de aplicação da lei para além das situações de doença terminal e de morte iminente, passando a abranger (além das situações de deficiência, já contempladas em projetos anteriormente aprovados) situações de doença incurável, mesmo que não fatal, que seriam compatíveis com a vida por muitos anos.

- Esse alargamento representa uma mudança substancial que nos aproximará dos sistemas legais mais permissivos (como foi salientado pelo Senhor Presidente da República). Representa já um salto qualitativo importante no sentido do alargamento progressivo e imparável do campo de aplicação da lei, demostrando os perigos da chamada “rampa deslizante”, evidentes na experiência de todos os países que legalizaram a eutanásia e o suicídio assistido

- É inaceitável que, a quem sofre de doença incurável ou deficiência, o Estado e os serviços de saúde possam responder com a morte provocada, desistindo de combater e aliviar o seu sofrimento e de oferecer uma mensagem de esperança e de solidariedade; é de prever, por isso, que muitos desses doentes passem a sentir que a sociedade os encara agora como um pesado fardo.

- Outra forma de alargamento progressivo e imparável do campo de aplicação da lei, com os perigos da chamada “rampa deslizante”, resulta dos conceitos vagos e indeterminados a que recorre este diploma, mais ainda do que o que foi anteriormente aprovado e declarado inconstitucional; tais conceitos permitem interpretações subjetivas não passíveis de qualquer limite ou controlo com base em parâmetros externos e objetivos.

- Como foi já afirmado pelo Tribunal Constitucional, a incerteza resultante da utilização desses conceitos é particularmente perigosa quando está em causa uma decisão de consequências tão graves e irreversíveis como é a de provocar a morte de outra pessoa.

- A eutanásia e o suicídio assistido não são atos médicos. São procedimentos vedados pelo código deontológico médico e atentam contra a própria Medicina.  Quando se deparam com um doente em sofrimento de grande intensidade, os médicos cuidam e acompanham com humanidade e proximidade. Dispomos hoje de meios muito eficazes, para apaziguar o sofrimento físico, psicológico e espiritual dos nossos doentes.

- Ao aludir à intensidade do sofrimento (de acordo apenas com o critério subjetivo do doente) como pressuposto de licitude da prática da eutanásia e do suicídio assistido, o diploma ignora por completo a possibilidade de eliminar essa intensidade com o recurso aos cuidados paliativos. Toda a ciência médica sublinha a dificuldade em quantificar objetivamente o sofrimento e alude à relação entre a sua intensidade percecionada e outros fatores, orgânicos, psicológicos e sociais, que podem ser transitórios. A morte, porém, é definitiva.

- Ao considerar uma situação de “dependência de terceiro ou de apoio tecnológico para a realização de atividades elementares da vida diária” como “lesão definitiva de gravidade extrema” que justifica a eutanásia e o suicídio assistido, o diploma permite um alargamento da aplicação da lei a um grande número de doenças e transmite uma mensagem que leva a que a sociedade se possa demitir de apoiar as pessoas que sofrem tais limitações, e estas se sintam  como um peso oneroso e difícil de suportar pela comunidade.

- As alterações a anteriores projetos, introduzidas pelo diploma agora aprovado, não levaram a que qualquer das entidades consultadas, em especial a Ordem dos Médicos e o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, tenham alterado a sua clara oposição aos mesmos.

Manifestamos a nossa firme convicção de que estes motivos, entre outros, justificam a fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma de legalização da eutanásia e do suicídio assistido que acaba de ser aprovado, a declaração de inconstitucionalidade do mesmo e o subsequente veto do Senhor Presidente da República.

Lisboa, 09 de dezembro de 2022

AJC e AMCP