- Pedro Gil - Novembro de 2019

Este nosso espaço de conversa e partilha foi concebido, em outubro de 2018, sobretudo para ouvir médicos, fossem eles associados da AMCP ou não-associados. Mas, por duas vezes, fugimos à regra e entrevistámos sacerdotes/não-médicos, Frei Víctor Henriques e Mons. Victor Feytor Pinto.

Desta vez, trazemos ao nosso convívio um jurista que mais propriamente trabalha na área da Consultoria da Comunicação, Pedro Gil. Acabámos por descobrir que de médico, Pedro Gil apenas tem um irmão, também nosso associado, Nuno Gil.

Após a participação, como conferencista, na sessão de formação de 19 de outubro, em Lisboa, onde apresentou a sua reflexão sobre o tema "O impacto das fake news na Saúde" (foto acima), convidámos Pedro Gil para uma breve reflexão sobre o relevo e o impacto da comunicação, tendo em vista os tempos de confronto de ideias que se anteveem.

O debate sobre a eutanásia é uma grande oportunidade
para as boas notícias que a fé traz sobre a morte.
Pedro Gil

AMCP- Em concreto sobre a temática fraturante da eutanásia, que alguns grupos se preparam para trazer de novo à discussão política e parlamentar, em moldes ainda não anunciados; enquanto assessor de comunicação, como entende o Dr. Pedro Gil que a Igreja Católica deve posicionar-se?

Pedro Gil - O debate sobre a eutanásia faz cada um pensar na vida, nos sofrimentos e na morte. A pressa do dia a dia entretém-nos em mil coisas como se não tivéssemos de morrer. Quando esporadicamente pensamos nela podem vir-nos angústias não resolvidas: “que será quando eu morrer e depois de eu morrer?”.
Por isso, é uma grande oportunidade para as boas notícias que a fé traz sobre a morte. A morte é uma porta rápida de um instante. Para lá, está o juízo do definitivo olhar verdadeiro e benevolente de Deus sobre nós. Depois, abre-se a vida futura, esse upgrade que sonhámos de uma vida já sem abismos, nem traições nem depressões. Vida que só não teremos se no uso da nossa liberdade, apesar de feita para o escolher o que é bom, optarmos por nos auto-excluirmos de Deus. A Igreja tem uma grande oportunidade evangelizadora.
Coisa diferente é o campo da abordagem política e das estratégias em volta das novas propostas legislativas. Veremos se vai ser tomada uma posição oficial ou se se deixará esse campo para a livre atuação dos cristãos. Ambos caminhos são possíveis e legítimos.

Existe por vezes a observação de que somos (os católicos portugueses) demasiado brandos, às vezes até um pouco desinteressados. Como entende esta maneira de nós próprios nos entendermos?

Os católicos portugueses são portugueses... e têm no seu DNA os pontos fortes e os frágeis da nossa cultura. E um dos pontos fortes é terem a capacidade de se entusiasmar por propostas que sejam verdadeiras no conteúdo, atraentes na forma, amáveis no tom, firmes na afirmação, fundamentadas nas razões, respeitadoras no debate. E portadoras do optimismo realista dos grandes atletas de corridas de fundo, que apreciam o esforço continuado e se dedicam sem desanimar, mesmo que nem tudo sejam vitórias.

O perigo das fake news (notícias falsas) de que falou na sessão de formação é muito grande também neste âmbito da discussão destes temas fraturantes. Como não ser enganado?

É mais fácil detetar fake news se verificarmos as fontes, suspendermos informações anónimas ou sem data, consultarmos pessoas próximas mais conhecedoras que nós, e se esperarmos antes de partilhar. Mas nada disso é tão importante quanto ter diariamente uns minutos de silêncio: os hábitos de reflexão pessoal constroem maturidade e são condição da sabedoria. Actualmente, ter silêncio é tudo menos óbvio.

No mesmo sentido, dá a ideia que existem estudos para tudo; com concluões num sentido ou noutro sentido distinto, dependendo daquilo que se defenda. Isto também se torna fator de desacreditação. Como fazer?

É preciso continuar a apostar na ciência ainda que a ciência, a ciência publicada e peer reviewed, mostre vulnerabilidades que comprometem a fria objetividade que tanto esperamos dela.
O pensamento científico é, porém, somente uma parte do pensamento, embora importante e embora na nossa cultura tenha quase ficado com o monopólio da validação. À verdade também se acede por outras vias: a literatura, a arte, a filosofia, a religião revelada.
Os argumentos científicos são necessários e poderosos, mas são argumentos ao lado de outros argumentos.

A AMCP pretende posicionar-se em termos de debate enquanto associação de profissionais que se formam e trabalham com o nobre intuito da defesa da vida humana. Que lhe parece?

Eu vejo um médico católico como alguém para quem a parte “médico” e a parte “católico” são dimensões vividas plenamente em si mesmas, e depois se integram de forma harmónica e fecunda. E até de forma inseparável, se não abre-se uma fratura interior que desgasta e, cedo ou tarde, colapsa.
Porém, ao comunicar, as palavras que usamos vão ter o sentido que lhes dá quem as ouve, e não quem as diz. Por isso, a construção de uma mensagem deve assentar no “chão” que é o nosso público e não no “chão” que somos nós. Conhecer bem o público, os seus medos, as suas percepções, os seus ressentimentos, as suas ânsias, é o primeiro passo.
Depois, teremos de olhar para as nossas ideias e encontrar nelas os pontos que as liguem suavemente com os nossos públicos. E deixar que “faça efeito”: as mensagens, como as refeições, precisam de ser equilibradas, preparadas com tempo, servidas em pratos apetitosos, ser apreciadas com calma, digeridas com tranquilidade. Só assim contribuem para uma vida saudável.