Frei Victor Henriques - Novembro de 2018

- Frei Victor Henriques - Novembro de 2018

Natural de Isna de S. Carlos, no concelho da Sertã, distrito de Castelo Branco, o nosso convidado deste mês é médico e membro efetivo da Província Portuguesa da Ordem dos Frades Menores (OFM). Atualmente reside no Convento de S. Boa Boaventura, em Braga, mas a sua vida passou pela Guiné-Bissau, um dos países mais carenciados do mundo, onde foi padre e médico.

Frei Victor Henriques licenciou-se em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, em setembro de 1986. Escolheu a especialidade de Medicina Interna. Para a sua vida escolheu também ser padre. Foi ordenado a 14 julho 1996, no ano em que celebrou 37 anos, após ter concluído Teologia na Faculdade de Teologia de Braga da Universidade Católica Portuguesa. Um ano depois, em 1997, saía em missão para a Guiné-Bissau, onde serviu a Igreja e a população local durante quase dez anos.

"Deus é Pai e tem uma preferência pelos mais desfavorecidos"
Frei Victor Henriques

 

No momento atual viemos encontrá-lo por Braga. Para ficar?

Depois de ter cumprido um tempo de missão em África, na Guiné-Bissau, de cerca de dez anos, divididos em dois períodos, o primeiro de quatro anos e o segundo de seis anos, regressei a Portugal em Setembro de 2012. E isto para dar apoio aos pais idosos e doentes, na altura particularmente ao meu pai, que viria a falecer em 2016.


Tem saudades da Guiné e das suas gentes?

É verdade que por vezes me lembro dos doentes…. Foram cerca de cerca de dez anos a trabalhar no Hospital Missão de Cumura, onde são tratados doentes de Lepra, Tuberculose e HIV /Sida. Foi um tempo muito importante na minha vida, em que eu estive ao serviço dos mais pobres deste mundo.

Experimentei muitas vezes como Deus é Pai e tem uma preferência pelos mais desfavorecidos. Ele nunca abandona os seus filhos. Eu vi isso muitas vezes. Os humanos podem abandonar-nos e virar as costas, mas o Senhor jamais nos abandona! Porque o seu Amor é infinito…


Como concilia o trabalho de médico e de sacerdote?

Como diz S. Paulo, “a caridade é a plenitude da Lei”. Por isso, todos os dias rezo ao Senhor para que me ajude a cumprir a missão que Ele me destina e me faça crescer e abundar na caridade, praticando as obras de misericórdia corporais e espirituais. 

Por vezes faço também o anúncio de Jesus Cristo. Lembro-me dum jovem que tinha acabado de saber que tinha um tumor no mediastino, e a quem eu disse: “Jesus Cristo tem um amor imenso por ti. Ele te vai abençoar e ajudar. Coragem não temas! E as lágrimas corriam pela sua face.” Outras vezes anuncio o amor de Jesus Cristo e administro também o sacramento dos doentes, quando não está o capelão do hospital.


Os seus pacientes valorizam mais o seu trabalho quando sabem que é padre? E o contrário, as pessoas que serve na Igreja, também o procuram como médico?

Sim, por vezes as pessoas, na Igreja também me procuram como médico. E vice-versa. No plano antropológico, o corpo é a forma física da alma. A pessoa humana é uma unidade constituída por corpo e alma. O que acontece hoje, é que se destaca apenas a dimensão corpórea e esquece-se a dimensão espiritual. A dignidade da pessoa humana reside na sua essência, onde se manifesta a imagem de Deus, como princípio estruturante da sua unidade indivisível alma/corpo.


Tem alguma história mais curiosa que possa partilhar connosco?

Quando estava na Guiné, e estava prestes a chegar o meu regresso a Portugal, uma doente já idosa, que era natural dos Bijagós, e que tinha Doença de Hansen, muito chorosa dizia: “Não te vás embora, fica connosco…”. E eu perguntei-lhe: “Porque é que não quer que eu regresse a Portugal?”. A resposta dela foi clara e incisiva: “Porque tu és um pai para nós. E se tu nos abandonares, perderemos um pai…”.

Este testemunho ajudou-me a perceber que a missão dum medico cristão, neste mundo é fazer presente o amor de Cristo pelos doentes que sofrem a tribulação da enfermidade e que por isso, perderam a esperança de viver.


Já era estudante de medicina quando descobriu a sua vocação de padre. 
Como foi? Como reagiu a sua família e os amigos mais próximos?

Ainda a meio do curso de Medicina, entrei numa comunidade neocatecumenal em Lisboa. E ao fim de algum tempo de caminho na fé cristã, o Senhor chamou-me a ser religioso franciscano, ao jeito de S. Francisco de Assis.

A vocação é um mistério. Deus chama quem quer e quando quer. E nesse contexto eu disse sim, a Jesus Cristo. Porque eu já tinha experimentado que a minha vida sem Deus não tinha sentido, era um vazio existencial tremendo…

Relativamente à família, e aos amigos, não foi fácil… Na oração constante, eu tenho ido buscar a força que vem do alto, e que me ajuda em todos os momentos difíceis da vida. Tal com diz o Salmo 34: “Muitas são as tribulações do justo, mas de todas elas o livra o Senhor”.


Ao escolher o caminho do sacerdócio decidiu ser missionário, sair radicalmente da sua zona de conforto, indo trabalhar num dos países mais pobres do mundo. Como foi?

Tal como no Antigo Testamento, Deus conduziu sempre, a história de Israel, no seu longo caminhar pelo deserto em direção à Terra Prometida. Também na minha vida eu tenho visto como Deus tem conduzido a minha história pessoal.

Consequentemente, é nesse contexto da minha história pessoal que aconteceu a missão na Guiné-Bissau, no Hospital de Cumura - instituição de solidariedade social propriedade da Ordem Franciscana na Guiné Bissau e que foi fundado pelo primeiro Bispo da Guiné-Bissau, D. Frei Arturo Septtimio Ferrazetta, que era também franciscano, da província de Veneza, Itália.


Passaram sete anos desde a reportagem da Agência Ecclesia para o programa da RTP 2, que agora tivemos oportunidade de rever e na qual dá a conhecer o seu trabalho e missão. Continua a acompanhar o que por lá acontece?

Todos os anos, várias equipas de voluntários, constituídas por médicos, enfermeiros e outros profissionais, continuam esta missão evangélica de ajudar os doentes entre os mais pobres deste mundo.

Tal como diz Jesus Cristo no Evangelho: «Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. 32 Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33 À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos. 34 O Rei dirá, então, aos da sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. 35Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, 36 estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.’ 37 Então, os justos vão responder-lhe: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38 Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? 39 E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?’ 40 E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: ‘Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.’ 41 Em seguida dirá aos da esquerda: ‘Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e para os seus anjos! 42 Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, 43 era peregrino e não me recolhestes, estava nu e não me vestistes, doente e na prisão e não fostes visitar-me.’ 44 Por sua vez, eles perguntarão: ‘Quando foi que te vimos com fome, ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou doente, ou na prisão, e não te socorremos?’ 45 Ele responderá, então: ‘Em verdade vos digo: Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer.’ 46 Estes irão para o suplício eterno, e os justos, para a vida eterna.» (Mt 25,31-46).

Tal como no passado, também hoje, os doentes que são atendidos no Hospital de Cumura continuam a precisar da nossa ajuda.

[Autoria das Fotografias: Associação Mãos Unidas | OFM | Agência Ecclesia]